Relato de parto da Renata, nascimento do Bernardo

por | ago 15, 2017 | Relatos de Parto

35 dias depois… Consigo parar pra revisitar e registrar esse que foi, sem dúvida alguma, o acontecimento mais intenso e marcante da minha vida…

Nosso Bernardo chegou dia 30/06, às 20h33, pesando 3,540kg, medindo 50,5 cm, com 39 semanas e 1 dia de idade gestacional (9 meses completos vão de 37 a 42 semanas). Fruto de um amor lindo e forte e de uma gravidez desejada, planejada, saudável, sem intercorrências.

Tivemos um parto domiciliar planejado e assistido por duas enfermeiras obstetras, que não só tem minha confiança e admiração, mas também o meu amor (Ana Cyntia e Iara, da equipe Luz de Candeeiro). O parto domiciliar só foi possível graças ao pré-natal sem problemas, de baixo risco, que foi compartilhado entre as enfermeiras e meu mais que querido amigo e obstetra, Bruno, que nos apoiou na decisão e estava de sobreaviso todo o tempo, caso fosse necessária transferência hospitalar. Ou seja: tudo conforme evidências científicas internacionais sobre a segurança desse modelo de assistência.

Não tenho palavras pra descrever tudo que passamos… foram cerca 12 horas de fase latente (ensaio) e 8 horas de fase ativa de trabalho de parto (espetáculo). Mesmo depois de passar por esse processo com tantas mulheres, eu não poderia imaginar o quão intenso é vivê-lo.

Na fase latente, que começou na noite do dia 29, cólicas um pouco mais fortes que foram ficando rítmicas, de 10 em 10 minutos… madrugada com bolsa quente em baixo ventre e na lombar e muitos cochilos… às vezes, não dormia por causa dor, às vezes, por causa da ansiedade…
Amanheceu, eu pensei que tudo podia parar, o que é frequente quando o sol nasce… Marido foi pro trabalho, eu tentei descansar… e nada parou… as cólicas ficaram mais fortes, mas ainda eram cólicas… tomei banho, comi… pensava que era melhor estar preparada para o caso do trabalho de parto engrenar… foi pegando ritmo, aumentando a frequência… “Amor, volta pra casa”…

De repente, a cólica virou contração (acho que eu estava esperando o marido voltar do trabalho. Eu pensava muito que não queria mais ficar sem ele por perto. Ele chegou e eu experimentei a primeira contração de verdade). Ca-ra-ca. Que forte. Dói mesmo e muito! Vinham intensas e a cada 3 minutos…

A médica obstetra que habita na mulher que eu sou estava com aquela pulga que mora atrás das orelhas-médicas-obstétricas… (“contração desse jeito e nenhuma secreção vaginal? Nem muco, nem um sanguinho…”)
A mulher que eu sou confiava total e plenamente nos cuidados de Ana e Iara… e esperou a avaliação delas…
Ana chegou e me encontrou, como ela diz, “inquieta”. Na avaliação: 3 cm, dorso à direita, batimentos cardíacos fetais excelentes. Briguei com a Ana.
“Rê, você já está na fase ativa.” (em geral, consideramos fase ativa a partir de 6 cm)
“Fase ativa, Ana, com 3 cm?”
Mas as contrações tinham ritmo e intensidade… a presença dela, seu cuidado, a ausculta intermitente dos batimentos era imprescindível…

Bendita água quentinha. O chuveiro e a imersão na piscina ajudam muito a passar pelas contrações. As massagens, as mãos que eu segurei, as palavras que eu ouvi, também ajudam muito!…

Mas a pulga estava lá… eu pedia outro toque vaginal. Precisava saber como estava… não tinha dúvidas quanto ao bem-estar do Bernardo (as auscultas estavam excelentes), mas precisava saber da evolução do trabalho de parto…

Em resumo…

Dorso à direita, apresentação fetal defletida (bregma anterior) e assinclítica. Meu maior medo era esse: mal posicionamento fetal. Cabeça da médica a mil…

Bolsa rota artificialmente, manobra pra corrigir posição do Pequeno (“Spinning Babies”)
Fletiu, rodou direitinho e desceu…
Com 9 cm, eu mesma me toquei e vi que havia um edema de colo… saí da água e fui pra banqueta pra colocar gelo…
“Rê, posso reduzir o colo?”
Pode.
Briguei com a Ana de novo. Não tolerei o aumento da dor pra reduzir o colo…
Precisei de um pouco de “dicas” quando os puxos começaram… mas depois peguei o jeito…

Ao som de “Long Nights” do Eddie Vedder (https://www.youtube.com/watch?v=mev_FBj0Fyk) e de “Tocando em Frente” na voz de Maria Betânia (https://www.youtube.com/watch?v=3T1VRhGfEVU), Bernardo nasceu.

Toquei sua cabecinha, já coroando, sentindo aquele círculo de fogo, e fiquei com a mão ali, chamando por meu filho, sentindo cada centímetro da sua chegada, experimentando o que é um corpo virar dois… Diego me amparava, segurava minhas mãos, acariciava minha barriga, e via o nascimento do filho pelo espelho colocado em posição estratégica pelas meninas…

Quando ele nasceu, contive por alguns segundos meu ímpeto de trazê-lo pros meus braços, enquanto Ana desfazia duas circulares de cordão umbilical no pescoço…
Depois disso, em êxtase, rindo e chorando, sem acreditar que eu tinha conseguido parir, eu agarrava e cheirava minha cria, que se aninhava saudável, choramingando, no meu colo, nós dois cabendo no abraço do Diego…
“Bem-vindo, meu filho”, eu dizia… assim como disse tantas vezes pra outros bebês que chegaram a esse mundo por minhas mãos…
No meu colo, a pele dele em contato com a minha, ele ficou… na penumbra, ouvindo música, sentindo meu calor, o nosso amor… ele ficou ali, quietinho… mamou…
Enquanto eu desfrutava desse momento com meu filho, aquecido no meu colo e com uma manta, a placenta dequitou, as meninas revisaram o canal de parto, que estava íntegro… e o Bernardo comigo, no meu colo, pele a pele, mamando…

O pai cortou o cordão depois que a placenta dequitou, pegou o filho no colo e o entregou pra Iara, que fez o primeiro exame físico, pesou, mediu, vestiu… tudo do meu lado… no nosso quarto… sob os nossos olhos… e ele voltou pro meu colo… e nada mais foi feito com ele…

Eu sentia meu coração inundado de alegria e gratidão… obrigada, obrigada, obrigada!

Desde uma madrugada de outubro de 2013, quando acompanhei Ana e Iara em um parto domiciliar de uma querida mulher que eu cuido como médica, pude compreender que é preciso e possível ter outra concepção sobre gestar, parir e nascer. É possível e preciso compreender que são processos naturais e fisiológicos; confrontar velhas crenças, adquiridas na formação acadêmica, com evidências e fatos apresentados pela ciência, e abandoná-las. Naquela madrugada, vi também o quanto cabe de sensibilidade, intuição e, principalmente, amor nessa relação entre quem cuida e quem é cuidada… foi, sim, uma madrugada divisora de águas na minha vida pessoal e profissional. Naquela madrugada, eu soube que, se um dia eu desejasse gestar e parir, era aquilo que eu queria…

E assim foi.

Muitas vezes pensei que não daria conta… e ser médica, ter um amigo de infância como obstetra, saber todos os caminhos das pedras fazem, sim, a cabeça pensar em analgesia, cesariana, hospital… Mas eu tive apoio incondicional das minhas queridas e do meu companheiro, que me fizeram acreditar e me encorajaram.

Muito provavelmente, se eu estivesse no contexto de assistência em que estão a maioria das mulheres hoje em dia, o relato, agora, seria de uma cesariana.

Para a médica, as distócias chamavam muita atenção. Para minhas queridas enfermeiras, o ponto forte era a confiança na fisiologia, seu poder e sua capacidade de voltar pro rumo certo quando se faz a intervenção oportuna.

E eu agradeço muito por esse trabalho de parto partejado desse jeito, por ter tido a oportunidade de sentir na minha própria pele tudo isso… e por ter virado testemunha viva de que um trabalho de parto, digamos, meio torto, pode, sim, virar parto e nascimento lindamente, e de que intervenções necessárias, respeitosas e consentidas são, sim, bem-vindas…

Mais certeza ainda eu tenho de que precisamos construir um mundo onde todas as gestações sejam desejadas e que recebam cuidados com respaldo em evidências científicas. E que precisamos devolver às mulheres seu protagonismo no gestar e parir e a autonomia sobre seus corpos; oferecer o amor, a reverência, a empatia a elas, que fabricam mini pessoas e as dão à luz.

Por aqui, agora somos três. Cansaço e amor, muito amor. Entendendo o que significa quando dizem que, quando nos tornamos mãe e pai, o coração passa a bater fora do corpo.

Profundamente gratos à Vida que nos trouxe Ana Cyntia, Iara e Bruno. Gratidão a vocês por tudo!

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