Relato de parto da Ana Paula, nascimento do Martin

por | out 15, 2021 | Relatos de Parto

Nosso relato de parto precisa pedir licença pra voltar alguns meses atrás e honrar a vida de duas outras sementinhas que não nasceram. Sofremos dois abortamentos, em fevereiro de 2020 e em julho do mesmo ano. Assim, Martim é nosso bebê duplo arco íris, desejado e aguardado com muito amor…


Sinto que o processo do parto se inicia desde a confirmação da gestação… Gestamos e parimos simbolicamente muitos afetos, sentimentos, expectativas… Precisei gestar, com generosidade e carinho, muitas inseguranças e medos, desde o início da gestação do Martim, que veio com o diagnóstico de diabetes gestacional, já com necessidade de insulinização. Respira, acolhe, aceita!.. E, risca a palavra “controle” do dicionário!


Por causa do diabetes, o prazo para o parto eram 39 semanas. Nosso bebê não poderia escolher a “hora dele”, como sempre ouvimos nos planejamentos de partos naturais. Desde o segundo abortamento, já tivemos a sorte de nos conectar e sermos acolhidos pela equipe da Luz de Candeeiro, que foi essencial em toda nossa trajetória!


Adianta o filme e vamos para a semana 37 da gestação, quando iniciamos os “convites” para a chegada espontânea do Martim. Óleo de prímula, defumações, acupuntura e muita oração, mas Martim não quis vir espontaneamente. Na semana 39, começamos os convites mais enfáticos, com o descolamento de membranas e, alguns dias depois, a inserção da sonda para abertura mecânica do colo.


Seguimos para a Casa de Parto, na quinta, dia 24, já com tudo preparado para a chegada do Martim! Sabíamos que a areia da nossa ampulheta já estava no fim e Martim precisaria chegar logo… De São João tivemos a famosa paçoca da Luz de Candeeiro e a música animada que o papai preparou pra embalar essa chegada! Fomos recebidos pelas queridas parteiras Iara e Rafa, que inseriram a sonda para chamar nosso trabalho de parto, dilatando o colo e disparando as tão aguardadas contrações.

Fomos carinhosamente instalados em uma das suítes da casa de parto… que sorte! Fomos presenteados com a sensação de estarmos naquele espaço tão desejado, ao menos no início dessa nossa travessia. Aproveitamos bem nossa estada de algumas horas, com massagens, ginástica na bola de pilates e muita música das playlists que ficarão famosas até o fim desse relato. Eu e Jorge nos conectamos muito desde o início, rumo ao encontro com nosso pequeno. Marisa Monte, Céu, e outras lindas mulheres estiveram conosco nesse primeiro momento, onde a dor das contrações ainda eram tão prazeirosas pra mim…

Com as contrações ritmadas seguimos para a maternidade, com a querida parteira Giovana. Ela e Juliano seguiriam conosco nesse trabalho de parto. Aqui, faço um parêntese sobre essas pessoas iluminadas da Luz. Mesmo tendo minhas preferências, não me preocupei com a escala de plantão das enfermeiras e obstetras, pois amo e confio profundamente em todos da equipe. Mas, a enfermeira Giovana era a única que não tinha conhecido ainda e, nos poucos minutos que nos apresentamos tive a certeza que estava nas melhores mãos possíveis! Juliano, sempre com uma tranquilidade bem humorada, nos encontrou direto na maternidade e ajudou a resolver as burocracias da internação.

Foto: Flor&Ser @prafloreser

Seguimos para nossa sala de parto e preparamos o ambiente… altar com fotos e lembranças da familia e playlist conectada! Eram aproximadamente 18h e mal sabíamos que Jorge precisaria voltar aos tempos de DJ e buscar criatividade para embalar mais de 18 horas de trabalho de parto a partir dali… Começamos leves com muita música brasileira, ainda em clima de São João! Alceu, Gilberto Gil… “Segura no reggae pro Martim descer”! As contrações eram ainda muito gostosas nesse momento. Estava feliz e muito concentrada no que meu corpo sentia e pedia pra fazer… seguindo a dica da Iara, tentei surfar com tranquilidade nas ondas das contrações e descansar nos intervalos.

“Pari” a sonda bem mais a noite (aqui eu já tinha perdido a noção da hora) e as contrações amornaram um pouco. Juliano começou as gotinhas mágicas da homeopatia pra tentar engrenar com as contrações, mas precisamos lançar mão da ocitocina exógena. Acho que foi nesse momento que mudamos para uma sala de parto mais espaçosa e com banheira…

Ligada na bomba de ocitocina, a coisa começou a pegar fogo! A esperança de Martim nascer no dia de São João se foi e entramos madrugada a dentro, regados a muita ocitocina, cansaço e música boa! Martim teimava em não descer, provavelmente por um mal posicionamento da cabeça, estacionando meu colo nos 6 cm por muitas horas.

Giovana partejou com tanta competência e afinco. Ela foi gigante! Trabalhamos juntas nos exercícios infindáveis para ajudar no posicionamento do Martim. Foi uma madrugada intensa e muito cansativa para todes. Jorge esteve ao meu lado todo o tempo e em nenhum momento quis que ele estivesse longe… Ele foi e ainda é o olhar que busco pra reconhecer minha força e não desistir. Não havia muito a ser dito nessas infinitas horas que se passaram. Todes respeitaram muito a movimentação do meu corpo e a concentração da minha mente… Jorge sempre ao meu lado, com um toque que me fazia sentir que conseguiríamos…

Acho que aqui entrei na “partolândia”, quando as contrações ficaram mais dolorosas e em intervalos menores… precisei me concentrar muito para surfar nas ondas gigantes sem cair da prancha e ser levada pelo mar. Os intervalos de descanso, que o tempo oficial marcava a cada 2 minutos, me davam o ar que eu precisava pra próxima onda. Cheguei a dormir e sonhar em muitos desses intervalos, que já não eram interpretados na escala de tempo que conhecemos…

Fui convidada para alguns banhos mornos e um período de imersão na banheira, para oferecer descanso da dor para meu corpo. A música seguia tocando, mas não sabia mais quem eram os artistas, as notas, as letras… sabia que era importante ela estar ali. A música. Acho que Nina Simone cantou pra mim nesse momento… Sabia que estava com as melhores pessoas que poderia estar naquele momento. E isso me fortalecia.

Em algum momento dessa madrugada inebriante, Juliano propôs e realizou a ruptura da minha bolsa das águas… tive medo. Medo de não aguentar a onda de contrações que viria depois. Mantive minha concentração e, novamente, precisei de alguns momentos de desconexão com esse tempo e espaço. Nos momentos de lucidez, buscava sempre o olhar do Jorge, sem muita demora, pois sempre estava o mais próximo possível de mim… como era bom saber que ele estava sempre ali.

Houve um momento que percebi que desligaram minha ocitocina. “Vão me levar pra cesárea!”, pensei e verbalizei com o jorge. Ele, carinhosamente, negou e disse que jamais isso seria feito sem conversar comigo. “É pra vc descansar um pouco da intensidade dessas contrações…”, ele disse. Confiei e recebi com amor esse cuidado. A música foi desligada e o espaço ficou mudo por um tempo. Tempo de descanso e acolhimento.

Algum tempo depois, me levantei e pedi para ligar o som: “Coloca um rock!”. Pedi para seguirmos para os próximos passos! Solta o som, liga a ocitocina e bora exercitar pra descida do nosso Martim! Olhei a tela brilhante de boas vindas ao nosso pequeno e me senti em um pub de rock, pedindo dois Martinis na rodada dupla promocional! Acho que já estava amanhecendo e o cansaço era evidente em todes, quando a porta se abriu e o ambiente se encheu com a energia das duas parteiras que seguiriam as próximas horas comigo, Iara e Renata! Que potência a força dessas mulheres… me emocionei.

Volta pro chuveiro, coloca o Jorge pra descansar um pouco, observa, observa, observa… lembro-me das duas sentadas a minha frente, enquanto eu estava no chuveiro, apenas me observando, em silêncio… aqueles olhares me diziam “vc está indo muito bem e estamos aqui com vc”. Nova avaliação e Martim seguia alto e meu colo ainda com 6 cm. Renata olha pra mim e pergunta o que eu quero. O que eu quero? “Eu quero parir!”, respondo com o coração. “Eu quero parir…” Disse isso pra ela, mas sobretudo pra mim mesma, reafirmando o sentido de tudo aquilo que eu estava vivendo. Vamos pro banquinho pra avaliar. Edema de colo, cabeça mal posicionada, colo estacionado. As parteiras se entre olham e planejam os próximos passos. Gelo no edema e manobra manual pra ajudar no reposicionamento. Spinning finger babies, brinca Iara.

As horas seguem e a manhã começa a se despedir, já chegando o meio dia. Jorge sempre ao meu lado, escondendo o cansaço e demonstrando que poderia permanecer ali, comigo, por mais dezenas de horas… Pouco depois de meio dia, nova avaliação. Edema de colo reduzido, mas a cabeça ainda pouco encaixada… 7cm de dilatação. Olho para o relógio e tento pensar quantas horas mais conseguiria aguentar… acho que não era a dor ou o tempo que pesavam sobre mim, mas o desconhecido dos próximos passos… será que conseguiríamos mesmo?

Meu coração se acalmava por saber que, caso precisássemos mudar a via de parto, seria um plano compartilhado e com uma indicação adequada da equipe. Vamos novamente para o banquinho tentar uma nova manobra. Eram 12:30 e brinquei que não conseguiria compartilhar meu relato no grupo das companheiras do termo: “Vou dizer apenas que foi super rápido! Que os 25 minutos finais duraram 25 minutos!”. Rimos e seguimos pro bendito banquinho.

Foto: Flor&Ser @prafloreser

Renata me toca e prontamente compartilha sua emoção: “E quando acontece algo que faz a parteira chorar?”, me fitando com os olhos embargados. Pede minha mão e insere meu dedo pra sentir a cabecinha do Martim que já apontava pra esse mundo! Começamos, então, um expulsivo que durou os premonitórios 24 minutos! Jorge foi convidado pra vir receber o Martim e, as 12:54, após algumas poucas contrações, nosso filho se mostra para o mundo e se deita nas mãos de seu pai, seguindo para meu colo para finalmente nos conhecermos aqui fora…

Nem reparei que a pediatra apenas observava de longe, respeitando meu plano de parto que dispensava intervenções precoces e desnecessárias. Martim se manteve junto a mim, na primeira hora, sendo retirado apenas para pesagem após esse tempo. Com avidez, buscou meu peito e mamou ainda nos primeiros minutos. Cordão clampeado somente após findada as pulsações e agora éramos dois, separados pelo cordão, mas conectados para sempre pela nossa pele, nosso amor e nossa história…

Foto: Flor&Ser @prafloreser
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