Relato de parto da Elisa e nascimento do Davi

por | set 17, 2021 | Relatos de Parto

Elisa, Davi o companheiro e a equipe da Luz de Candeeiro.

“Um rapaz que escolheu a hora de vir, sua companhia incial, seu nome e deixou bem claro que a vida deve ser vivida um passo de cada vez”

A chegada de Davi: um parto em vários atos. Roteiro escrito em primeira pessoa sobre o parto que foi tudo o que eu queria e nada do que eu planejei.

Dedicatória ao anjo que veio acompanhando Davi no começo de sua jornada.

Prólogo

A entrada em cena de Davi. Um rapaz que escolheu a hora de vir, sua companhia incial, seu nome e deixou bem claro que a vida deve ser vivida um passo de cada vez. Ato por ato, cena por cena.
Depois de 17 anos juntos, nós, seus pais percebemos que a vontade de nos dedicar e aprender com um novo/a companheiro/a era maior do que qualquer argumento racional. Em meio a muitas incertezas acerca do que o mundo lá fora seria, um sentimento de muita certeza surgia nas nossas entranhas para fazer nascer uma nova mãe e um novo pai.

Essa é a história de como Davi chega, então, a esse mundo, 39 semanas e 6 dias depois de muitos preparos e “ensaios”.

Ato I – a decisão por convidá-lo

Davi – ainda sem nome (ou melhor, com nome mais ainda sem a certeza dos pais) – estava sendo assistido por muitas e queridas mulheres. Nas asas do palco estavam Simone, Priscila, Rafaela, Iara, Ana Cyntia, Esther, Renata, Bárbara, Sofia e também Juliano. Cada uma delas prontas para entrar em cena representando o papel do cuidado e do carinho.

Cena I – a fotografia
Entre algumas fotografías que se fizeram necessárias pra saber como andava a vida de Davi ainda na barriga, a última, no dia 21 de junho, mostrava que sua força e sua determinação em ser um rapaz cheio de energia precisariam ter lugar fora do útero. Seu ganho de peso poderia seguir caindo nas semanas seguintes. Convida-lo para vir para essa dimensão de vida passou a ser a melhor das decisões a ser tomada por nós, em conjunto com essa equipe cheia de Luz.

Cena II – a preocupação com o cenário
Foi então que embarquei numa angústia, sozinha em casa, a pensar em todos os temores que tinha sobre um parto cheio de intervenções, tendo como cenário um hospital (em tempos de pandemia). O sonho do calmo e tranquilo parto numa casa cheia de luz e acolhimento vai sendo levado para o alçapão e no lugar um cenário frio e melancólico vai aos poucos sendo projetado.
A diretora de cena, Renata, entra para interromper essa projeção desnecessária, mostrando que muitos atos e cenas ainda precisavam ser (re)(a)presentados. Que a Luz estaria dando calor e prontidão às cenas, onde quer que o espetáculo fosse acontecer.

Cena III – os convites
Começam então os convites, feitos um a um, pouco a pouco. Primeiro Rafaela aparece para o descolamento de membrana, uma forma de dizer que há luz pela fresta. No dia seguinte, Simone, que acolheu e acompanhou cada passo desde o primeiro dia de pré-natal, apresenta um novo “brinquedo”, um balão surge para convidar as contrações a chamarem o Davi. A festa parecia que ia começar.

Cena IV – O ensaio dos pródromos e mais alguns convites
A sonda, ou o balão, surtiu efeito. Cólicas com contrações de 2 em 2 minutos marcaram 7 horas de um dia em meio a compressa de água quente, banhos e gemidos. Os primeiros. Acompanhados por uma nova personagem, um achado precioso, Priscilla. Que trouxe, por meio da acupuntura, muita paz. Me ajudando a parar de lutar contra a dor para passar a entender como conviver com ela e com as mudanças que ainda viriam.

Cena V – O silêncio
Davi tinha seus truques guardados. Passadas as horas de muita dor e cansaço, Iara e Rafaela nós convidam para ir pra Casa cheia de Luz. Ali teríamos o acompanhamento delas, o monitoramento de como poderiam prosseguir as coisas assim que a sonda saísse.
Naquela noite tivemos o gostinho de nos ver acolhidos naquele cenário que permeava minhas mentalizações do que seria a chegada do Davi. Novos convites: homeopatia, óleo de primola, óleo de rícino, o corpo dando alguma resposta, mas as contrações estavam em silêncio. O clima de estar em casa seguia: papo gostoso na cozinha enquanto comia o jantar (que era o almoço árabe que não tinha conseguido comer o dia todo), pijaminha, cobertas e travesseiros. Uma visita de boa noite da Rafaela e a sonda saiu. O colo bem mais apagado e uma dilatação de 5 cm. Ao contrário do que eu poderia imaginar, a ansiedade não tomou conta de mim. Sequer pensei: “agora vai”. O silêncio das contrações era evidente. A necessidade de descansar de um dia de encontro com a dor era maior. Em uma meia luz que surgia da janela do quarto do ipê amarelo, eu dormia , enquanto o pai se distraía com qualquer coisa (até campeonato de sinuca pelo celular).
O sol raiou, Rafaela veio nos fazer uma visita e dizer: é hora de voltar pra casa. Nos arrumamos e desejamos uma boa vinda pro João (irmão de leite e de luz) que estava sendo aguardado no quarto ao lado.

Cena VI – A bolsa rota
Voltamos pra casa. Um sentimento de “e agora?” bateu novamente e fiz questão de contar com a boa energia da Priscilla mais uma vez. O dia passou muito normalmente. Eu e Rafael fomos nos conectando cada vez mais com nosso filho. Conversamos com ele, mentalizamos juntos. Rafael então me pede: toma um banho, conversa com ele, chama ele pelo nome.

Flashback:

O nome: já era quase piada na família e entre os amigos, foi tema de brincadeira do chá surpresa. Nomes bonitos, nomes de brincadeira, e na lista alguns dos nomes que nós, os pais, queríamos, mas também estava repetidas vezes o nome que ele já tinha escolhido. Meses antes, no dia do ultrassom em que descobrimos que era um rapaz, sonhei que estava exatamente na hora do exame e eu avisava ao médico e ao Rafael: hoje vamos conhecer o Davi.

No banho mentalizei uma luz dourada que preenchia os nossos corpos, mentalizei a dor da cólica e prometi que não mais lutaria contra ela quando ela resolvesse voltar. Foi então que vocalizei pela primeira vez seu nome em meio a lágrimas de uma alegria muito profunda: vem Davi, vem meu filho, sou eu sua mãe e eu estarei aqui pra te acolher, vem Davi.

Fomos dormir. Após uma acordada já tradicional para ir ao banheiro fazer xixi, voltei, sentei na cama e escutei “poc”. E eu nunca tinha escutado falar dessa sensação ou som. Voltei ao banheiro e tive a clássica dúvida: será que fiz xixi ou foi a bolsa? Passa a mão, cheira, olha a cor… Dúvida. Acordo Rafael: acho que a bolsa rompeu. Voltamos pro banheiro e eu no box vou sentindo o líquido sair em jatos. É, é a bolsa mesmo. Escrevemos para o grupo da Luz, coloquei a fralda absorvente e fui dormir. Rafael: nunca pensei que numa hora dessas você iria conseguir dormir.
Acordamos no outro dia, o silêncio das contrações seguiam.

Ana Cyntia e Esther nos convidam a voltar pra Casa cheia de Luz e no mesmo quarto, do ipê amarelo, elas nos recebem para conversar, nos tranquilizar e monitorar os batimentos do Davi e as contrações. Realmente era o que precisávamos. Depois de tantos convites e tanto tempo em casa, era preciso saber se estava tudo bem com nosso pequeno. E estava. Mas as contrações seguiam em silêncio. Só estavam ali as contrações de treinamento.
Desenhamos então os próximos passos e atos. Mais uma vez eu voltaria pra casa, descansaria e se até às 20h não encadeasse o trabalho de parto, iríamos nos encontrar no hospital.

Cena VII – o cenário realmente teria de ser mudado
Às 18 horas então, seguindo com o silêncio das contrações, reorganizamos as malas, ligamos pra família e seguimos viagem. Como tantas viagens de carro que fizemos, aquela parecia ser a mais inusitada e mais esperada. O trajeto e o destino não eram os planejados, mas a viagem estava prestes a acontecer, isso era certo.
Chegando ao hospital encontramos Renata, um porto seguro. Mal podia acreditar que era ela a nos receber e que seria ela a nos encontrar no dia seguinte. Sim, apenas no dia seguinte. Não valia a pena retomar os convites, agora medicamentosos, durante a madrugada. A internação naquele momento era apenas para previnir alguma infecção, para isso a administração de antibióticos era necessária.

No quarto do hospital, conversamos, aguardamos alguns dos procedimentos iniciais e nos despedimos da Renata. Era hora de descansar.

Conforme o quarto ganhou silêncio e minha mão um acesso intravenoso, as lágrimas de frustração surgiram. Eu ia entregar uma bomba de antibiótico ao meu filho, ainda na barriga, depois de toda uma gestação sem nenhum tipo de medicação. Eu estava naquele ambiente que eu tanto temia: frio (muito frio), com aquele barulhinho de corredor de hospital, com aquele cheiro, com aquele sem número de pessoas circulando. E eu ali. De máscara. Porque ainda por cima tinha o tão temido Covid.
Rafael me acolheu, me ajudou a focar no que era importante e fomos (tentar) descansar.

Ato II – O espetáculo

Cena I – o último convite e a resposta
Naquela madrugada, estava no quarto ao lado o Martim (irmão de leite e de luz), que como vanguardista que é, convidou Davi por meio de seu chorinho dizendo que tudo ficaria bem. Às quatro da manhã (não me lembro quando olhei ou pedi pra saber essa hora), senti que as contrações começavam a querer surgir. Era hora então de seguir tentando dormir. Entre as 8 da manhã e às 9 tudo se embaralha na minha memória. Não me lembro exatamente se tomei banho e depois voltei novamente ao banho a convite da Renata. Não sei quando estive de pé escorada na maca, ou ajoelhada na maca de costas para as luzes e apoiada na cabeceira. Só sei que todas essas microcenas aconteceram e as contrações novamente vinham de 2 em 2 minutos, mas agora diferentes, porque sentia que todo meu útero trabalhava em conjunto. Aliás, tudo pareceu tão rápido nesse começo do trabalho, que das poucas coisas que me lembro foi Renata chegando no quarto e perguntando: mas o que está acontecendo? Ela vinha preparada para administrar ocitocina em alguém sem contrações e encontrou uma mulher no início da caminhada à partolandia. Lembro vagamente da chegada de Rafaela e Esther! Eram elas! Que felicidade! No banho um pedido para ficar com as pernas em posições que não me geravam tanto conforto, mas ao fundo ouvia de que era pelo bebê estar defletido. Não tenho qualquer recordação do toque que permitiu saber disso e de que estava com 7 cm de dilatação. Lembro do momento que Renata diz: amada, temos que levar você para outro quarto. Gelei. Se ele está defletido e querem me levar pra outro lugar, isso vai se tornar uma cesárea. Imediatamente pergunto: por quê? Renata: porque você não pode parir nesse quarto.

Cena II – o afinar das luzes
Entramos então no quarto “humanizado” do hospital. Longe de se parecer com o aconchego da Casa de Luz. Frio, muito frio. Equipamentos de todos os tipos ao redor, lembrando que intervenções podem ser necessárias. Mas lá estava a foto do ipê amarelo, para me lembrar da resiliência e da beleza em parir. Um quadro de boas vindas sem seu nome. Deitei na maca. Muitos cobertores. Mas o calor mesmo vinha das mãos que me cuidavam. Da Luz do Candeeiro que elas traziam consigo, com a alma. Que me abraçavam no revezamento de “sofazinho”. Ao fazer spinning babies para tentar garantir uma posição melhor, falei meu primeiro “acho que isso eu não consigo”. Já tínhamos feito o exercício de ficar de cabeça pra baixo e sempre me sentia sem forças (vaso vagal mais falta de confiança na força dos braços). Com o apoio delas, consegui! E recebi o melhor chacoalhão de quadril que alguém em trabalho de parto pode receber. E pensei: que força vital sai das mãos dessa mulher! Mal sabia o tanto que ela, Rafaela, e também Esther ainda iam colocar de força vital para me dar apoio e suporte. Outros chacoalhões viriam.
De repente uma força única surge nas minhas entranhas, uma força que me fez descobrir uma voz em mim que nunca tinha escutado e que paralisou toda e qualquer dor da contração. Eu aviso: eu não fiz essa força, veio sozinha. Hoje eu consigo ver como aquela força fui em quem fiz, veio de mim, é minha. E mal sabia que ainda viria muito maior.
Vamos então para a banqueta. E eu digo ou só penso mais uma vez: “acho que isso eu não consigo”. Das vezes que me imaginava parindo, sempre achava que a banqueta seria difícil pra mim (problemas nos tendões mais falta de confiança na força das pernas para ficar de cócoras). Mas consegui! A banquetinha virou poltroninha e Rafael me deu todo amparo e suporte.

Cena III – o espetáculo em si
Não tenho ideia de quanto tempo durou o expulsivo. Mas foram os minutos mais intensos da minha vida. A força que crescia em mim fazia crescer também uma potência de voz. Em um semi círculo sentadas no chão, Renata, Rafaela e Esther eram conta-regra, coadjuvantes, diretoras de fotografia e maestras no grande espetáculo da travessia de uma mulher para uma mulher-mãe. Rafael segurava minhas mãos e me dava a certeza que estávamos prontos pra receber nosso filho.
Em algum momento, não sei bem se antes ou depois de um próximo toque para ajudar a diminuir um colo ainda não apagado completamente, Renata fala: vocês fizeram playlist? Agora é a hora. Rafael coloca então a seleção do “Dia das águas” no randômico. E eis que a primeira voz que surge era do aniversariante daquele dia e sem nenhuma introdução Gil nos disse: Se eu quiser falar com Deus, fenho que ficar a sós, tenho que apagar a luz, tenho que calar a voz…. Lágrimas, muitas lágrimas. E a certeza de que aquele momento era divino. Muitas mulheres estiveram ali comigo. Algumas que estão em outro plano espiritual. Outras que estão aqui e que sofreram por partos roubados, por falta de apoio, por tantas outras violências sofridas.
Seguimos no trabalho. O maior e mais intenso trabalho da minha vida. Me sentia caminhando por um portal sem retorno. Do outro lado uma luz e uma energia que nunca tinha sentido. Me aproximava aos poucos de lá. Bem aos poucos. Confesso que em alguns momentos mentalizava estar mais próxima, deixando-me tomar pela ansiedade de ter meu filho nos braços no meu tempo. E não no dele.
A child is born toca e junto dela eu posso tocar na cabecinha surgindo. Momento indescritível. O choro veio junto com o aumentar da força que me levava pra outro planeta. A orquestra toca as músicas que embalaram várias coreografias na minha vida, nenhuma tão bonita e intensa. Nenhuma tão nossa.
Eis que o momento está próximo e Renata, maestra, convida Rafael pra receber nosso filho em seus braços. Esther me apoia, Rafael senta no chão a minha frente e diz: chama ele, chama ele pelo nome. E então eu digo: vem Davi, vem meu filho! E choro outra vez.
Você então me ajuda no intervalo entre cada contração e ao final de cada puxo. Não quero esquecer nunca a sensação de te sentir se mexendo e descendo com sua própria força. Você decide então chegar aos braços do seu pai e depois no meu enquanto ao fundo tocava In a sentimental mood. A música que marca a história minha e de seu pai. Com isso você nos dizia que há 17 anos atrás mal sabíamos o sentimento de amor mais intenso que viveríamos e como essa música poderia se ressignificar. Você chegava selando mais uma vez nossa união.
Já com você nos braços, seu pai desenrola a primeira circular de cordão (numa confusão bonita entre “Rafas”), a outra circular de cordão é desfeita e você vem pros meus braços, meu colo, nu, te esperando. “Melacadinho”, como eu sempre dizia. Seu chorinho era o mesmo chorinho que agora te embalo todas as noites. Um choro que é um pedido, uma conversa, um contar de histórias. Seus olhos intensos, profundos e meigos me olharam e eu nunca tive tantos sentimentos em um segundo.

Já de volta à maca, enquanto eu era cuidada com torradas e mel, eu te abracei e senti que estava em meus braços o meu companheiro, meu coração fora do peito, meu filho, Davi.

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