A amamentação é uma prática fundamental promovida pela OMS/UNICEF, sendo recomendada de forma exclusiva até os seis meses de idade do bebê e complementada com outros alimentos até, pelo menos, os dois anos. No entanto, é possível que uma mulher engravide enquanto ainda amamenta um filho, uma situação conhecida como lactogestação. Este artigo explora diversos aspectos dessa prática, com base em estudos científicos e recomendações de profissionais de saúde.
O que é Lactogestação?
A lactogestação ocorre quando uma mulher continua amamentando durante uma nova gestação. No passado, essa prática era contraindicada devido ao medo de que pudesse prejudicar a saúde da mãe, o feto ou a criança amamentada. No entanto, atualmente, a lactogestação é aceita e recomendada por instituições como a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) e o Ministério da Saúde, desde que acompanhada por um profissional de saúde. Esse acompanhamento é essencial para garantir que a mãe e os filhos recebam os cuidados necessários para manter a saúde e o bem-estar de todos.
Desafios e Benefícios
Amamentar durante a gestação exige uma quantidade elevada de energia, o que pode ser um desafio significativo para a mãe. A combinação de duas demandas fisiológicas tão intensas pode gerar preocupações sobre a capacidade da mãe de sustentar ambos os processos sem comprometer a sua saúde ou a do bebê. Algumas das preocupações mais comuns incluem o medo de parto prematuro, aborto espontâneo e a rápida depleção de nutrientes maternos, que poderia aumentar o risco nutricional para a mãe, a criança amamentada e o feto. No entanto, estudos indicam que, com uma alimentação adequada e suplementação apropriada, é possível suprir as necessidades nutricionais de todos os envolvidos, permitindo um ganho de peso materno adequado e nutrientes suficientes no leite materno.
Estudos e Estatísticas
A prevalência da amamentação entre gestantes varia de 5% a 61% em diferentes continentes, com taxas mais altas em países onde a cultura favorece o aleitamento materno. Uma revisão sistemática publicada recentemente analisou estudos realizados entre 1990 e 2015, englobando 19 estudos e um total de 6.315 participantes. Esta revisão investigou desfechos como abortamento espontâneo, parto prematuro, condição nutricional materna, quantidade e composição do leite materno, continuidade do aleitamento durante a gestação, peso de nascimento e crescimento da criança.
No que se refere ao risco de abortamento, os estudos encontrados mostraram taxas similares entre gestantes que estavam amamentando (0% – 15,6%; n=816) e não gestantes (0% – 19,6%; n=1.706). Em relação ao parto prematuro, as taxas variaram entre 2,2% e 7,7% para gestantes que estavam amamentando e entre 0% e 10,3% para aquelas que não estavam em aleitamento materno. Basicamente, os resultados indicaram que o risco de abortamento e parto prematuro entre gestantes que amamentam é semelhante ao das gestantes que não amamentam.
Condição Nutricional Materna
Estudos identificaram uma condição nutricional deficiente entre gestantes que amamentam, com observações de redução na hemoglobina e menor ganho de peso materno.De acordo com o estudo mencionado, o tempo de amamentação tende a diminuir com o avançar da gestação, mas os benefícios emocionais e nutricionais para a criança mais velha permanecem significativos.
Alterações no Leite Materno
Durante a gestação, o sabor do leite materno pode mudar, tornando-se um pouco mais salgado. Além disso, a produção de leite pode diminuir, o que pode levar algumas crianças a estranhar o novo sabor e até desmamar. No entanto, muitas crianças continuam a mamar normalmente, mesmo com essas mudanças. A composição do leite também pode se alterar, com menor quantidade de gordura e lactose.
No entanto, o leite materno se transforma em colostro no final da gravidez, garantindo que o recém-nascido receba os nutrientes essenciais nos primeiros dias de vida.
A natureza age de forma a proteger o corpo da mãe, assegurando que ela tenha energia suficiente para nutrir o novo bebê em desenvolvimento. Com uma boa orientação da e ingestão calórica aumentada e suplementação adequada, normalmente é possível corrigir deficiências nutricionais, garantindo que a mãe, o feto e a criança amamentada recebam os nutrientes necessários.
Amamentação Tandem: Amamentando Dois Filhos
A amamentação tandem, prática de amamentar dois filhos de idades diferentes simultaneamente, pode trazer diversos benefícios. A criança mais velha continua recebendo benefícios emocionais, psicológicos, nutricionais e imunológicos da amamentação. Além disso, a continuidade da amamentação pode ajudar a fortalecer o vínculo entre a mãe e os dois filhos, facilitando a aceitação do novo irmão. Amamentar durante a gestação e após o nascimento do novo bebê pode ajudar a criança mais velha a sentir-se menos “deixada de lado” e a criar uma relação positiva com o novo irmão.
Produção de Leite
A produção de leite tende a aumentar com a demanda, o que pode ser especialmente útil se o recém-nascido apresentar alguma dificuldade para mamar. É importante que a mãe priorize as mamadas do recém-nascido, pois ele depende exclusivamente do leite materno. O pediatra deve ser informado sobre a prática de amamentação tandem para monitorar o ganho de peso do recém-nascido e orientar a mãe sobre a condução dessa prática.
Contraindicações para a Amamentação em Tandem
Apesar dos muitos benefícios, existem algumas contraindicações para a amamentação em tandem. Mulheres com problemas de saúde que exijam uma maior reserva de nutrientes, podem ser aconselhadas a interromper a amamentação do mais velho. É essencial que cada caso seja avaliado individualmente por um profissional de saúde, que deve acompanhar de perto a saúde da gestante e dos bebês para identificar possíveis riscos e garantir que todos recebam os cuidados necessários.
Conclusão
Amamentar durante a gestação é uma prática possível e, na maioria dos casos, segura. Com acompanhamento de profissionais de saúde adequado, é possível superar os desafios e aproveitar os benefícios dessa prática. É essencial que as mães se sintam apoiadas e bem informadas para tomar decisões que beneficiem tanto o bebê em gestação quanto o filho que está sendo amamentado.
Além disso, é crucial reconhecer e respeitar a autonomia da mulher nesse processo. Cada mãe deve ser encorajada a tomar decisões informadas sobre sua saúde e a de seus filhos, com base nas suas necessidades e circunstâncias individuais. O acompanhamento de profissionais de saúde é fundamental para fornecer o suporte necessário, mas a decisão final deve ser da mãe, que deve ser capaz de acolher sua própria decisão com confiança e segurança. A autonomia feminina é um aspecto central no cuidado materno e infantil, garantindo que cada mulher possa exercer seu direito de escolha e de ser a principal protagonista em seu processo de amamentação.
Referências:
- Sociedade Brasileira de Pediatria
- Febrasgo
- Revisão Sistemática sobre Lactogestação
- López-Fernández G, Barrios M, Goberna-Tricas J, Gómez-Benito J. Breastfeeding during pregnancy: a systematic review. Woman and birth. 2017;30(6)