Durante toda gestação, procurei me preparar com pesquisas, algumas poucas leituras, vídeos sobre o momento do parto. Tentava entender a fisiologia dele, os primeiros sinais, como é diferente para cada mulher e até mesmo da possibilidade de sentir prazer durante o mesmo.
Me questionei algumas vezes: será que eu saberei quando será o momento?
Mentalizei também quando fiz 37 semanas: Filha, pode vir, mamãe está pronta! Chorei no dia que falei isso pra ela. Só eu e ela.
Prestei muito atenção nas conversas que tive com nossas anjinhas parteiras e me sentia com coração tranqüilo a cada saída do consultório da Luz de Candeeiro. Era sempre um momento especial o dia das consultas. Fazíamos de tudo (eu e Tiago) para não perder nenhuma consulta, pois eu sabia o quanto era importante para nós chegarmos no momento do parto seguros e fortes.
Voltando um pouco no tempo, antes de eu já estar certa que a Clara viria ao mundo em casa e com o auxílio das parteiras Iara e Ana Cyntia, eu sabia ao menos o que eu NÃO queria para o nosso parto.
Não queria que minhas vontades durante o parto fossem ignoradas; não queria correr o risco do Tiago não participar desse momento; não queria ficar numa posição desfavorável para sentir as dores da contração, ou até mesmo para expulsar o bebê; não queria levar picote; não queria intervenções desnecessárias como ocitocina sintética e anestésico…Todas essas razões minaram os médicos do plano de saúde e boa parte dos médicos dos hospitais públicos.
Pois bem, me restavam os médicos particulares humanizados (odeio esse termo, pois acho que todos os partos deveriam ser considerados dessa forma) e a casa de parto, que deixou de ser uma alternativa quando regionalizaram a entrada das gestantes por lá. O parto domiciliar me soava lindo e a melhor opção, mas não sei porque eu queria provar, talvez para mim mesma, que todas as outras opções estavam descartadas.
E assim foi, quanto mais eu pesquisava, mais me convencia de que não teria nada no mundo melhor pra mim e para a Clara do que vivenciar o parto num lugar aconchegante, livre de intervenções desnecessárias e cercada de profissionais não-deuses (me desculpe a classe médica, mas tenho birra dela desde meus 2 anos de idade, quando a homeopatia me curou da maior parte de minhas doenças). Mas foi racionalmente a maneira na qual me convenci: por mais que eu levasse toda uma equipe de médicos, doula e enfermeiras para o hospital, ainda assim os procedimentos pediátricos com a Clara poderiam ser feitos desnecessariamente: tira-la de mim assim que nascesse, lavá-la num banho bruto, teste disso, teste daquilo, enfim…
Ufa! Parece que tirei um peso das minhas costas quando virei para o Tiago e falei: O melhor lugar para a Clara nascer será em casa mesmo. E ele já convencido há muito mais tempo do que eu, me respondeu: “Cabe a você essa escolha, você é a protagonista, mas não tenho dúvidas de que nossa casa será o melhor lugar para isso. Não tem dinheiro que faça ser um impeditivo: gastamos para casar, gastamos com lua-de-mel, gastamos para morar bem, porque pensar em economizar quando o assunto é a coisa mais importante de nossas vidas: o nascimento de nossa filha.”
Enfim, foi assim que em uma semana, conversei com 3 equipes de parteiras e com mais uma semana de reflexão segui meu coração dessa vez e escolhi, as que me acolheram com respostas seguras, sorriso no rosto e paz no olhar. Mas a parte do agradecimento a elas farei depois de eu retomar ao início do texto e relatar o parto em si.
Pois bem, no dia 11/11/2015, aniversário do Tiago, estava naqueles dias de turbilhão de compromissos: consulta na Luz de Candeeiro, consulta com o obstetra, corre de desprodução do último trabalho que fiz e ainda tinha que me preparar para a noite “bebemorarmos” o aniversário do Tiago. Sou canceriana, sempre penso no presente dele com mais de um mês de antecedência, na maioria das vezes confecciono algo especial, etc. Estava frustradíssima, pois não tinha feito nada disso e ainda por cima não parava de sentir cólicas e uns puxões de dor. Pensei: vou dar a Clara de presente pra ele, não é possível! Mas as dores eram bem sutis (hoje sei da sutileza delas) e durante a comemoração, nem me preocupei, contei para todos que já estava sentindo a chegada dela, que ela realmente não ia agüentar chegar na 40a. semana e que eu teria mais uma escorpiana em minha vida!
Tiago havia sonhado durante minha gestação que a Clara nascia dia 12/11, dormi com isso na cabeça, mas acordei totalmente disposta e sem mais nenhuma dor. Alarme falso.
Continuei fazendo o check list das coisas do parto e do quarto da Clara. O check list que mais subestimei o prazo na minha vida! Não deu tempo de produzir tudo…
A Clara me sossegou: 16/11/2015 às 12:58hs.
Durante a madrugada, começo a sentir as mesmas dores do dia do aniversário do Tiago. Mas como já tinha vivido um alarme falso antes, pensei: vou esperar e ver se isso evolui. Quando deu 5:00hs eu comecei a verbalizar para o Tiago a cada vez que eu sentia dor. A partir das 5:30hs (a última vez que olhei para o relógio) ele também já não conseguia dormir e começou a contar os minutos entre uma contração e outra. Ainda era espaçada a cada 9, 8 minutos. Como uma passagem de tempo no cinema, só me lembro de ao invés de dizer uma frase completa: “Tiaaaago, mais uma contração.” Eu dizia somente: “Tiaaaaaago!!”. E ele respondia: Mais uma? E eu pensava mas não falava: Claro! Ou você acha que eu preciso te chamar a cada 3 minutos?!?!?! (devia ter falado, né? Eu posso não ser educada nessa hora! Hehehehe)
Aliás, um adendo: passaram milhares de coisas na minha cabeça durante o parto, mas devo ter falado 1/10 delas. Falei somente as coisas estritamente necessárias mesmo. Se fosse uma cena do filme do Wood Allen “Noiva neurótica, noivo nervoso” teria muito mais coisas escritas do que faladas. (Nesse filme, tem uma cena em que há legendas do que os personagens estão pensando, além do diálogo em si.)
Quando já estava toda contorcida, feito um caracol na cama, o Tiago veio da cozinha e disse: Elas estão vindo. Eu respondi: Graças a Deus! Nessa hora não tinha mais dúvidas, era a hora da Clara.
Continuei com meus pensamentos em sentir a dor e tentar relaxar nos intervalos, mas pensava muito também: “Meu Deus! Quem com esse tipo de dor se levanta, põe uma roupa, entra num carro e vai para um hospital!” O que eu mais queria naquela hora era me esquentar (nessa hora sentia frio) e ficar em casa até a dor passar. (Ainda não sabia o quanto ela ia se intensificar). A Ana Cyntia chegou e me confirmou com um sorriso: Chegou a hora, que bom, né?! Eu realmente não tinha forças para responder a ela, nem sei que cara eu fiz, só sei que eu pensei mais uma vez: Uau, chegou a hora mesmo!
A Ana me examinou e eu estava com 6/7cm de dilatação e foi o único exame de toque que tive durante toda a gestação. E ainda a minha vontade era que ela me respondesse: você já está com 10cm! Hahahhaa. Ai ai, sou mãe de primeira viagem mesmo! Nessa hora eu também pensava: como vou sair daqui da cama?! Estava num estado de inércia que cada movimento, cada tomada de decisão era muito mais difícil do que parecia. Achava impossível eu sair da posição que eu estava na cama.
Mas elas me convenceram que a banheira me relaxaria. Que bom que eu ouvi. Foi bem relaxante nos momentos de intervalo, mas a cada contração, não achava posição para sentir aquela avalanche, que agora começava a querer expulsar, empurrar…
Fiquei quase que 90% do trabalho de parto com os olhos fechados. Os olhos abertos me racionalizam demais, precisava olhar pra mim mesma nesse momento. Era a primeira vez sentindo tudo aquilo, então precisava entender se eu tinha que controlar a dor ou se eu tinha que deixar ela vir, ou se eu tinha que fazer força quando ela viesse ou enfim…Só sei que quanto mais eu pensava em como agir, quando eu via eu já estava gemendo de uma maneira única e me contorcendo com uma dor também nunca sentida.
Na banheira mesmo ainda pensei: “Preciso ficar com os pés na terra para ter forças para empurrar a Clara.” Daí as meninas sugeriram a banqueta de cócoras. Mas, ao mesmo tempo, ainda persistia naquele pensamento da inércia: “Como vou sair daqui? Não tenho forças!”. Mas foi quando eu comecei a me apoiar no Tiago (para a provação da coluna dele! Hehehehe) que eu senti que estávamos perto de trazer a Clara.
Saí da banheira, sentei na banqueta em frente ao espelho e comecei a sentir as dores que ardem. E logo lembrei do que já havia lido: quando começa a arder, não desista, pois é quando está acabando! Fiquei umas 3, 4 contrações sentindo essa ardência e não olhei para o espelho para não me desconcentrar. (aliás não sei ao certo se foi essa quantidade mesmo de contrações, quantidade e tempo são coisas que ficaram muito relativas em minha memória do parto). A Ana me sugeriu para levantar e rebolar. Mais do que nunca, pensei: “Impossível! Como vou levantar daqui e ainda rebolar!” Mas, eu acatei a sugestão mais uma vez e foi ótimo, acho que a Clara realmente desceu neste momento.
Quando resolvi abrir os olhos defronte ao espelho, vi algo maior e pretinho saindo de mim, perguntei: É a cabeça? E a Iara que estava ao lado do espelho fez um sim com a cabeça.
Bicha, desse momento eu me lembro direitinho: Peguei o elástico do meu pulso, amarrei o cabelo (nessa hora sentia calor, muito calor) segurei nas duas mãos do Tiago e concentrei. Acredito que foram umas 3 contrações, fiz toda força que tinha dentro de mim e ela veio…
Desse mágico momento eu me lembro do seguinte: ela saiu juntamente com muito liquido (acredito que era da bolsa, que não estourou, além de sangue, cordão umbilical, etc), a Ana limpava e a Clara estava quietinha, não chorava. Eu estava ainda respirando fundo, como num estado de orgasmo depois de perder a virgindade, sabe?! (aquela sensação de prazer interno misturado com dormência e cansaço físico?!) Ela veio para meus braços e eu a apoiei no meu peito. Todas as ações são super instintivas, desde o começo do trabalho de parto, por mais que se tente controlá-las ou racionalizá-las. O tempo parou. Só me lembro dela chorando toda cheia de vernix no meu colo, o Tiago atrás de mim emocionado do modo dele…E eu, como canceriana, estava super estranhando de não estar chorando…. Acho que minha mente concentrada em pari-la demorou algumas horas para descer com todas as minhas emoções.
Fomos para a cama, lá eu continuei no processo de relaxar e por algumas horas os outros procedimentos, calmamente foram sendo tomados. A placenta foi parida, eu recebi injeção de ocitocina para cessar o sangramento, cortamos o cordão umbilical depois que ele parou de pulsar, enfim…não necessariamente nesta ordem, mas o mais importante eu estava vivendo: estava dando colo para a Clara, com meu marido do meu lado, ouvindo os passarinhos de casa, na paz que pedi a Deus.
Depois de ouvir toda a recomendação das queridas parteiras, de como seria nosso dia e nossa noite, depois que elas foram embora, enquanto o Tiago preparava nosso almoço, quando eu me reconectei com o mundo externo, eu relembrei do parto e comecei a chorar. Sozinha, eu e ela novamente.
Chorei de tanta emoção, meu coração era pura gratidão! Gratidão a Deus de ter me dado o poder de parir naturalmente. Gratidão a minha filha, que nasceu perfeita e no momento que ela quis. Gratidão ao marido que tenho, por me apoiar e ser totalmente presente em todas as nossas decisões. Gratidão às duas anjas parteiras, que não só nos deram suporte para a Clara nascer, mas também nos trataram com sensibilidade durante o pré natal, o pós parto e ainda nos tratam como se nos conhecêssemos a décadas!
Como diz nossa parteira Iara, “todos deveriam ter o direito de nascer igual a Clara”. Eu ainda acho que num mundo ideal, todos deveriam ter o direito de ter uma Iara e uma Ana Cyntia em suas vidas! Mais e mais bebês teriam respeito desde seus nascimentos. Aliás, desde sua evolução na barriga! Sou eternamente grata a sensibilidade e profissionalismo dessas duas. Já estou começando a trabalhar meu psicológico de “cortar nosso cordão umbilical”, pois criamos um vínculo realmente muito especial.
Agora, no puerpério, momento no qual dizem ser o mais difícil da maternidade, sigo me entregando de olhos fechados, deixando que a vida continue feito o nosso parto: natural e instintivo.
Relato do parto de Clara Noda Pereira Barros, por Sarah Noda.
29/11/2015