Ao longo do processo de medicalização e hospitalização de partos e nascimentos, esse evento foi gradualmente desvinculado de sua natureza sexual, sendo esta dimensão negligenciada e subestimada nos cuidados com a mulher.
Na cultura ocidental contemporânea, entender o parto como um evento da sexualidade é quase um tabu, algo que parece estar muito distante da ciência, uma espécie de pensamento alternativo.
No entanto, perceber a dimensão da sexualidade no parto é algo que pode contribuir significativamente para desfechos positivos, e vamos te explicar o porquê!
Michel Odent, pioneiro na discussão
A sexualidade do parto começou a ser debatida principalmente a partir do trabalho do médico obstetra francês Michel Odent (1930-), que contribuiu imensamente para uma nova compreensão da fisiologia do parto. Odent chama a atenção para a relação entre o que ele chama de “coquetel orgasmogênico” de hormônios que alimentam a vida sexual e que “curiosamente” também estão presentes no parto das mulheres.
De acordo com ele, o parto de mamíferos envolve quatro hormônios principais: ocitocina, beta-endorfinas, adrenalina e prolactina. Quando esses hormônios estão sincronizados em um parto tranquilo, as mulheres podem experimentar a sensação de êxtase e fecilidade ao dar à luz.
Entenda um pouco mais sobre as ações desses hormônios
Ocitocina
A ocitocina é um hormônio essencial no ciclo sexual e reprodutivo da mulher, influenciando o comportamento, o parto e a lactação. Ela modula as contrações uterinas rítmicas durante o trabalho de parto, além de influenciar o comportamento de vínculo materno. Os níveis desse hormônio aumentam durante a gravidez e o trabalho de parto, atingindo um pico no momento do nascimento.
Beta-endorfinas
As beta-endorfinas são um grupo de peptídeos semelhantes aos opiáceos liberados em resposta ao estresse e à dor, com os mesmos efeitos analgésicos que os opiáceos exógenos. Altos níveis de liberação de endorfina foram descritos como indutores de estados de prazer, atuando como um alívio natural da dor durante o trabalho de parto tranquilo.
Prolactina
Os níveis de prolactina aumentam durante a gravidez e a lactação para a síntese do leite materno, além de promover um comportamento materno instintivo. Os níveis diminuem durante o trabalho de parto até próximo do período de dilatação total, quando aumentam e atingem o pico após o nascimento.
Adrenalina e noradrenalina
A adrenalina é liberada em resposta ao estresse (por exemplo, durante o trabalho de parto), desencadeando a resposta de “lutar ou fugir”. Assim como no trabalho de parto, os níveis de adrenalina e noradrenalina também aumentam com a excitação sexual, atingindo o pico durante o orgasmo. As condições para o trabalho de parto são paralelas às exigidas para a relação sexual, com o potencial e a magnitude do orgasmo diminuindo significativamente quando o medo do desempenho está presente. A privacidade é crucial tanto nas relações sexuais quanto no parto.
Mas por que é importante falar da sexualidade no parto?
Quando o parto sai do âmbito privado e se torna um evento institucionalizado, a mulher deixa de ser protagonista desse evento e passa a ficar submetida a normas e procedimentos muitas vezes desnecessários. Nessas situações, a cascata de hormônios que facilitam o parto, descrita por Michel Odent, pode ser facilmente perturbada por elementos que distraiam ou atrapalhem a parturiente. Assim como ocorre em contextos de relações sexuais, quando uma mulher se sente bem consigo mesma, confia em seu corpo, recebe apoio, pode se movimentar e se expressar livremente, o corpo tende a liberar os hormônios do amor e do prazer que facilitam esse processo.
Reconhecer a natureza sexual do parto significa compreendê-lo como um ato íntimo e pessoal da mulher, sendo um dos primeiros passos em direção a uma transformação paradigmática na assistência obstétrica. Mais do que isso, é reconhecê-lo, ainda, como um evento de base instintiva, abrindo caminho para que as necessidades sentidas pelas mulheres (como se movimentar e vocalizar) sejam atendidas, normalizadas e respeitadas. Ao reconhecerem as dimensões sexuais do nascimento, profissionais que assistem o parto são capazes de facilitar ambientes sensíveis e fortalecedores, encorajando a mulher a ser protagonista desse processo.
Referências bibliográficas:
Buckley, Sarah (2010), Sexuality in Labour and Birth: An Intimate Perspective. In D Walsh & S. Downe (eds.), Essential Midwifery Practice: Intrapartum Care. Wiley-Blackwell, pp. 213-234.
Buckley S. Hormonal physiology of childbearing: evidence and implications for women, babies, and maternity care. National partnership for women and families.Washington DC: Childbirth Connection Programs; 2015
Vinaver, Naoli. Sexualidade parto e o poder da mulher. TEDxTalk, 2015.
